Tribunal do Júri condena PM a 16 anos de reclusão por induzir colegas ao erro na morte de Gilberto Arueira em Teixeira de Freitas

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Já era meia noite quando a juíza Adriana Tavares Lira, titular da Vara do Júri e Execuções Penais da Comarca de Teixeira de Freitas, expediu a sentença do júri popular que julgou três policiais militares lotados na CAEMA – Companhia de Ações Especiais da Mata Atlântica, sentados no banco dos réus pela acusação da morte por engano do empresário Gilberto Arueira Azevedo, com 6 tiros pelas costas, rendido ao chão de uma loja de celulares no dia 24 de setembro de 2010, após ter sido confundido com o assaltante e homicida Raimundo de Abreu Alves, o “Thor”, que minutos antes havia feito de refém e agredido um dos PMs.

O júri começou às 09h desta quinta-feira (06/06) ouvindo as testemunhas de acusação e defesa e profissionais técnicos que trabalharam no caso. Os debates só começaram à noite. Na acusação representando o Ministério Público, o promotor de justiça Gilberto Ribeiro de Campos sustentou os termos da denúncia e da decisão da pronúncia, pugnando pela condenação dos réus pela prática do crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, Inciso IV, do Código Penal Brasileiro, que no mesmo sentido, manifestou-se o assistente de acusação, o advogado criminal Gean Paulo Oliveira Prates.

Na defesa dos réus atuou o advogado criminal soteropolitano Bruno Teixeira Bahia, que sustentou a tese da discriminante putativa, vencível e invencível, previstas no artigo 20, § 1º do Código Penal Brasileiro, com relação aos acusados Santo Aparecido Andrade Moreira e Aurélio Sampaio da Costa e, a tese da negativa de autoria, em relação ao acusado Wanderson Ferreira da Silva, argumentando a ausência de conduta e o nexo causal para o resultado morte, além do seu estado de violenta emoção pelo que fora submetido minutos antes ao domínio do assaltante.

Após os debates com réplica e tréplica, cada um dos réus isoladamente foram submetidos a julgamento, por ocasião que o conselho de sentença formado por 7 membros da sociedade de Teixeira de Freitas, em sua soberania constitucional respondeu afirmativamente ao primeiro e o segundo quesitos, inerentes à materialidade e autoria do crime e no 3º quesito, respondendo afirmativamente pela absolvição dos réus Santo Aparecido Andrade Moreira e Aurélio Sampaio da Costa, por terem entendido, os jurados, que os dois militares foram induzidos a erro.

Em continuação, o conselho de sentença respondeu por maioria, com relação ao acusado Wanderson Ferreira da Silva, afirmativamente ao primeiro e segundo quesitos inerentes à materialidade e autoria do crime, negativamente ao quesito referente à absolvição e negativamente ao 4º quesito referente ao homicídio culposo e, positivamente ao 6º quesito, reconhecendo assim a incidência da qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, inciso IV do Código Penal Brasileiro – ou seja, o conselho de sentença entendeu que Wanderson Ferreira da Silva agiu incompativelmente com a sua função de policial e induziu os seus outros dois colegas ao erro, ao apontar a pessoa errada para o ato de prisão ou ao objetivo direto de cometer o crime de morte.

Na sentença da juíza Adriana Lira, a magistrada descreve que o réu Wanderson Ferreira da Silva agiu de forma incompatível com o exercício da função na condição de integrante da Polícia Militar, instituição que se destina substancialmente a proteger a vida e segurança da sociedade, onde o acusado deveria ter agido com maior cuidado e diligência ao apontar e indicar para outros colegas eventual criminoso, certificando-se se tratar da pessoa procurada. Tendo havido ainda a execução no interior de uma pequena loja no centro comercial da cidade, na presença de outros clientes, inclusive de uma criança filha do casal, dono do estabelecimento, causado ferimento numa segunda vítima, colocando em risco a vida de terceiros inocentes, além de ter gerado intensa sensação de medo, revolta e insegurança no local, não justificando a conduta do réu em lhe ceifar a vida, pois conforme comprovado no processo e na própria sessão de julgamento, a vítima era um cidadão de bem, que no momento do fato estava na loja como cliente.

Ao expedir a dosimetria, a juíza Adriana Lira absolveu os soldados Santo Aparecido Andrade Moreira e Aurélio Sampaio da Costa pela negativa de autoria na conformidade do entendimento do conselho de sentença. E condenou o soldado da PM Wanderson Ferreira da Silva a 16 anos e 6 meses de reclusão a cumprir inicialmente em regime fechado. No entanto, a magistrada considerou a vida pregressa e os bons antecedentes do militar, tanto que quando foi preso preventivamente no dia 25 de janeiro de 2016, se apresentou antes do cumprimento da prisão espontaneamente, tendo sido solto pelo TJ/BA no dia 04 de fevereiro de 2016. Tendo em vista ainda, que respondeu o processo em liberdade durante todo esse tempo e compareceu aos atos processuais sempre que convocado, que o referido lapso temporal não tem o condão de alterar o regime de cumprimento de pena definida, portanto, a magistrada, entendendo enxergar ausentes os requisitos para a decretação da prisão naquele momento da expedição da sentença condenatória, concedeu ao condenado o direito de recorrer da referida sentença em liberdade.

Conheça o Caso

Um crime, a modificação da cena, primeiro cenário, segundo cenário e as fotografias do repórter que desvendaram os fatos e mostraram o verdadeiro cenário. A hora e a data: Às 13h de sexta-feira do dia 24 de setembro de 2010. O local: No interior da loja “Celular & Cia”, na Avenida Presidente Getúlio Vargas nº 3.517. A cidade: Teixeira de Freitas, sediada no extremo sul da Bahia. A vítima: o empresário do ramo de postos de lavagem da cidade vizinha de Medeiros Neto. Os autores: três militares à paisana.

O empresário Gilberto Arueira de Azevedo, 40 anos, foi atingido com 6 tiros pelas costas, quando estava deitado no piso, sendo que dois projéteis transfixaram e os outros quatro foram extraídos do cadáver. Os seus matadores teriam sido três policiais militares à paisana e pertencentes à CAEMA – Companhia de Ações Especiais da Mata Atlântica.

O laudo de perícia criminalística e o laudo de medicina legal concluíram que o empresário foi morto por execução sumária, com três tiros de Pistola Ponto-40 no alto das costas, dois tiros no antebraço direito e um sexto tiro na região da axila direita. Um dos tiros disparados em Gilberto, o projétil teria exalado em direção à mão do mecânico Joab Medina de Lima, de 23 anos, que também se encontrava rendido pelos policiais, deitado ao chão, ao lado da vítima.

Vítima confundida com Assaltante

O empresário teria sido confundido com o assaltante e homicida Raimundo de Abreu Alves, o “Thor”, 29 anos de idade na época. “Thor” foi preso pela Polícia Civil, no dia 20 de outubro de 2010, por ocasião que o seu parceiro, Rosivaldo Prates, o “Russo” ou “Galego”, 24 anos, morreu ao trocar tiros com policiais civis, um dia após terem assaltado a Casa Lotérica do Mercado Caravelas em Teixeira de Freitas e ambos cometido um homicídio na cidade.

 

Além de vários crimes de morte que a ele são imputados, “Thor”, cuja aparência física e características eram idênticas com às da vítima, morenos claros, cabelos cortados baixinhos e estaturas medianas. E a dupla coincidência fatal, tanto o assaltante quanto a vítima no dia do crime, usavam bermudas e jaqueta jeans e ambos carregavam um capacete no braço esquerdo, a única diferença era a cor da camisa que vestiam por baixo das jaquetas.

Na ocasião “Thor”, admitiu a autoria no assalto da loja Celular Mania, na Praça dos Leões em Teixeira de Freitas, cujo objetivo era somente assaltar lojas de venda de celulares. Por ocasião que confessou à Polícia Civil e à Imprensa que realmente humilhou um cliente da loja, lhe agredindo com tapas no rosto e ainda lhe colocou ajoelhado preso num banheiro, cujo cliente, era um policial de elite com treinamento de guerrilha da CAEMA – Companhia de Ações Especiais da Mata Atlântica.

No dia do assalto cometido por “Thor”, quem pagou pelas suas sucessões de crimes, foi o empresário de Medeiros Neto, Gilberto Arueira de Azevedo, que acabou morto com 6 tiros pelas costas por três policiais à paisana. Estes policiais estavam sob forte emoção, em razão de um deles, ter sido agredido, humilhado e preso ao um banheiro por quase meia hora dominado por um bandido violento, destemido e furioso. E após a comunicação do companheiro vitimado, os outros dois colegas prezaram pelo cooperativismo e saíram às ruas na companhia do colega atacado, caçando o assaltante truculento.

O festival de coincidências

E daí veio a terceira coincidência mortal. Na caça, os três militares encontraram o empresário com as mesmas características, moreno, estatura mediana, cabelo cortado baixo, vestido numa bermuda e uma jaqueta jeans lavada, igual ao assaltante, com um capacete no braço e também no interior de uma outra loja de venda de celulares. E possivelmente, o policial agredido tomado pela forte emoção, não teve dúvida e induziu os outros dois colegas também ao erro e executaram o empresário como se fosse o assaltante. Na segunda foto o portal de notícias Teixeira Hoje mostra novamente a comparação entre a característica da vítima e do assaltante, mostrando a aparência idêntica de ambos.

Por ocasião da morte de Gilberto Arueira, uma arma foi encontrada ao seu lado, que depois foi esclarecido que a arma fez parte de uma simulação como se o revólver fosse dele e que tivesse reagido à ação dos agentes. A simulação ocorreu logo após os policiais que chegaram depois ao local, percebem que os companheiros tinham matado a pessoa errada.

O revólver preto, cabo branco, calibre 32, marca Taurus, com 6 cartuchos no tambor, 5 intactos e um deflagrado, foi também examinado pela Polícia Técnica e os exames constataram que a arma não possuía resquícios de pólvora de disparo recente. E os exames de pólvora combusta nas mãos da vítima, também deram negativo, provando que Gilberto Arueira não teria feito uso de arma de fogo no mínimo nas últimas 72 horas, antes da sua morte.

As fotografias do repórter que esclareceram o crime

Após a execução, os militares deixaram o local e tomaram rumo desconhecido. O primeiro repórter a chegar ao local do evento delitivo foi um conhecido radialista da cidade de nome Josadack Mendes Silva, o popular “Jotta Mendes” que na ocasião também era repórter do bissemanal Jornal Alerta, o mais tradicional veículo de comunicação impresso da cidade. Tão logo chegou ao local, o repórter disparou a máquina em direção ao prédio da loja em vários ângulos, inclusive de perto e de longe, onde se enxergou com exatidão o corpo estendido sangrando na beira do balcão.

Logo depois chegaram dois grupos de policiais a paisanas e fardados que entraram na cena do crime e abaixaram a porta da loja. E o repórter continuou fotografando. Logo depois estes militares saem da cena do crime e mantiveram a porta de ferro suspensa como antes. E o repórter Jotta Mendes continuou fotografando, só que após a saída dos militares, o cadáver já não estava mais debruço e apareceu de barriga para cima sobre seu próprio sangue e ao seu lado, bem do lado da porta de saída, apareceu um revólver preto do cabo branco. Contudo, o repórter se manteve em sigilo absoluto em relação a alteração da cena.

Na época a sociedade não acreditou na versão que o empresário estivesse envolvido em crime diante do seu histórico de conduta ilibada e que teria ido naquele momento à loja, consertar o celular da esposa, especialmente depois que os peritos informaram à imprensa que os tiros foram pelas costas com transfixação no tórax e dois perfuraram o piso, além da versão das testemunhas, tanto da segunda vítima que saiu ferida, quanto na versão do dono e da funcionária da loja, sendo que o corpo foi encontrado em decúbito dorsal (de barriga para cima).

A nova versão revelada no Jornal

Na edição do Alerta do dia seguinte, em 25 de setembro de 2010, o Jornal trouxe uma extensa matéria sobre o caso e ouviu inúmeras autoridades e pessoas que por demais enalteceram a vida da vítima, literalmente eliminando a versão da polícia que havia trocado tiros com um bandido. Era como se o jornal estivesse uma carta na manga e realmente tinha. Na próxima edição do bissemanal aconteceu na quarta-feira do dia 29 de setembro de 2010, o Jornal trouxe novamente o caso como manchete principal e nas suas duas páginas policiais as fotografias revelando à sociedade, a primeira cena e a segunda cena. A publicação gerou inúmeros protestos por parte da sociedade e parentes da vítima e a Polícia Civil teve que tomar suas novas atitudes.

Por ocasião que o delegado Marcus Vinicius de Almeida Costa requisitou as fotografias ao Jornal e as encaminhou à perícia e o Departamento de Polícia Técnica legitimou a originalidade das fotos. Na época o laudo de criminalística sob a presidência do perito criminal Manuel Gómez Garrido constatou que a cena do crime havia sido alterada. E o delegado presidente do caso, concluiu que policiais militares fardados e à paisana teriam mexido na cena do crime antes da Polícia Técnica chegar ao local, revirando o cadáver e plantando uma arma ao lado do corpo para simular que a vítima estivesse trocado tiros com os policiais.

O delegado Marcus Vinicius por ocasião da conclusão do inquérito e remissão da peça à justiça em 31 de março de 2011, disse que as “fotos” tiveram uma importância muito grande no procedimento, quase decisivas durante o curso da investigação, uma vez que sem as fotografias seria quase impossível provar que a arma surgiu depois da ocorrência do assassinato.

O indiciamento

Os três PMs foram indiciados por crime de homicídio qualificado em conformidade ao Artigo 121, Parágrafo II, Inciso IV, e também por crime de lesões corporais conforme o Artigo 129, do Código Penal Brasileiro, tendo em vista que um dos disparos atingiu a mão do mecânico Joabe Medina Lima, que também estava deitado ao chão, depois de ter sido rendido pelos policiais.

Na época também a autoridade policial eliminou a hipótese de se realizar uma reconstituição do assassinato, uma vez que não restava dúvida nenhuma sobre o crime, e para ele, a reconstituição só serviria para causar tumulto, e não modificaria em nada o que foi apurado. Embora indiciados pela autoria da morte do empresário, o delegado da Polícia Judiciária concluiu o inquérito sem se pronunciar pelo pedido de prisão dos acusados, deixando a missão para o Ministério Público Estadual decidir no ato da denúncia ministerial.

Os dois momentos na cena do crime

O inquérito concluiu que houve dois momentos na cena do crime, sendo o primeiro quando os três policiais executaram Gilberto Arueira, depois de lhe render e ordená-lo que deitasse ao chão. O segundo momento foi quando modificaram a cena do crime, com objetivo de provar que Gilberto Arueira era um bandido, contudo, desse último momento os três policiais não participaram. Na época do indiciamento, um militar apenas foi indiciado, mesmo havendo a suspeita da participação de mais policiais na modificação da cena do crime.

Este quarto policial do serviço reservado do então 13º Batalhão da Policia Militar que chegou a ser indiciado pela Polícia Civil ao ser acusado de ter “plantado” a arma na cena do evento delitivo e foi indiciado por modificar a cena do crime, obteve êxito a seu favor na fase ministerial, quando por falta de prova material os promotores Gilberto Ribeiro de Campos e Graziella Junqueira Pereira inocentaram o militar e mantiveram apenas os três primeiros no rol dos denunciados.

A 1ª prisão dos acusados

Na sexta-feira do dia 22 de janeiro de 2016, após 4 anos e 4 meses do crime, o juiz Humberto José Marçal, titular da 1ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais e então 1º substituto da Única Vara Criminal da Comarca de Teixeira de Freitas, pronunciou em desfavor dos acusados e decretou a prisão preventiva dos três policiais militares acusados pela autoria da morte do empresário Gilberto Arueira Azevedo.

Tão logo souberam da decretação de suas prisões por meio do advogado de defesa, os três policiais se apresentaram espontaneamente ao major Ronivaldo Pontes da Silva, comandante da CAEMA – Companhia de Ações Especiais da Mata Atlântica de Posto da Mata, no município de Nova Viçosa, unidade individualizada pertencente à CIPE – Companhia Independente de Policiamento Especializado do Estado da Bahia.

Quatro dias após a decretação, os advogados de defesa recorreram da pronúncia do juiz. E treze dias depois da prisão, na quinta-feira de carnaval do dia 4 de fevereiro de 2016, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia determinou a imediata soltura dos três policiais militares Santo Aparecido Andrade Moreira, Aurélio Sampaio da Costa e Wanderson Ferreira da Silva, acusados pela autoria da morte do empresário Gilberto Arueira Azevedo.

Atendendo a um pedido de provimento liminar em Habeas Corpus, impetrado pelo advogado criminal Bruno Teixeira Bahia, o desembargador de justiça João Bosco de Oliveira Seixas, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, concedeu a liminar pleiteada por meio do Habeas Corpus nº 0001652-81.2016.8.05.0000, relaxando a prisão preventiva dos acusados para que eles respondessem o crime em liberdade sem prejuízo ao gozo dos seus serviços até o julgamento. (Por Athylla Borborema)

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